Enquanto professor senti sempre que os alunos quando regressam às aulas, após uma interrupção lectiva, embora cheguem cheios de vontade de aprender, apresentam muitas vezes um rendimento bastante inferior àquele que tinham anteriormente. Tal diferença deve-se a uma quebra no estudo regular durante a interrupção lectiva, o que frequentemente leva a que os rotores das trompas fiquem calcinados por falta de uso.

Esta situação atinge proporções ainda mais graves quando se vêem alunos de um nível de excelência, regressar da interrupção lectiva com um nível meramente satisfatório, muitas vezes quase negativo. Esta quebra conduz à desmotivação do aluno e dificulta a tarefa do professor no ano lectivo seguinte, já que atrasa todo o trabalho uma vez que  o aluno demora alguns meses a recuperar o nível de desempenho, que tinha anteriormente, e só depois se encontra preparado para fazer face ao novo programa curricular.

Face a esta situação decidi, na última interrupção lectiva, lançar o desafio aos meus alunos de semanalmente me enviarem uma gravação, em vídeo, com o trabalho desenvolvido ao longo da semana. Esperava que apenas alguns alunos aderissem, mas fui agradavelmente surpreendido por uma adesão massiva que atingiu 89%.

Foi entregue a cada aluno um plano de trabalho individual, devidamente distribuído ao longo da interrupção lectiva, com o programa que teria de trabalhar. Com o objectivo de promover a autonomia e responsabilidade dos alunos limitei-me a indicar-lhes que me apresentassem algo que eles tivessem trabalhado durante a semana, de forma a que pudessem escolher livremente a quantidade de repertório a enviar. Alguns alunos escolheram apresentar um ou dois vídeos por semana, enquanto que outros cumpriram rigorosamente o plano de trabalho. Apesar de nem todos terem enviado gravações do plano de trabalho completo, esta experiência evitou a tão nefasta perda de regularidade de estudo.

Tecnicamente falando foram usadas contas de dropbox que na sua versão gratuita oferecem 2GB de espaço algo que é mais do que suficiente para o efeito, mas requer que sejam feitas conversões na resolução para poupar espaço e diminuir os tempos de download/upload. Trata-se de um processo muito simples que apenas requer acesso à internet para enviar e receber os ficheiros. Todo o resto pode ser feito sem necessidade nenhuma de recorrer à internet.

Os alunos enviaram 270 gravações totalizando  5 horas, 23 minutos e 46 segundos de vídeo. Estas gravações correspondem a uma média de 11 gravações por aluno, embora tenha havido alunos a enviar 30 gravações.

Gráfico 1 - Gravações enviadas pelos alunos e sua distribuição ao longo do período de interrupção lectiva.

 

Gráfico 2 - Gravações enviadas pelos alunos, apresentadas de forma cumulativa ao longo do período de interrupção lectiva.

De um modo geral, os resultados foram positivos e devo confessar que fiquei bastante surpreendido pela adesão. Claro que este desafio exigiu que eu abdicasse de tempo de férias em prol dos alunos. Em média necessitei de dedicar cerca de 1 hora a cada 2 dias para ouvir cada um das gravações, anotar os diferentes aspectos, gravar os vídeos de feedback e convertê-los num formato passível de ser facilmente transferido via web.

Enviei 135 respostas, também em vídeo, num total de 17 horas, 8 minutos e 21 segundos de duração, o que perfaz uma média de 5 gravações por aluno, apesar de haver alunos que chegaram a receber 13.

Relativamente ao feedback, este foi enviado tanto de situações de sala de aula como de locais habitualmente conotados com o lazer, jardim, praia, para mostrar que é possível fazer um acompanhamento dos alunos de forma mais leve, descontraída  e menos controladora. Quando, por algum motivo, os alunos passaram mais do que uma semana sem enviar gravações fiz questão de manter contacto com os alunos via sms, email e redes sociais, enviando mensagens de incentivo e lançando desafios.

Como aspectos positivos desta experiência pude constatar e passo a destacar:

  • Incentivar uma prática de estudo regular;
  • Fazer com que os alunos não se sintam perdidos, desorientados e desamparados durante a interrupção lectiva. Neste aspecto pude constatar como alguns alunos aumentaram a regularidade do envio de gravações à medida que recebiam respostas;
  • Responsabilizar os encarregados de educação pelo acompanhamento do estudo regular e pelo cumprimento do plano de trabalho;
  • Conhecer o local onde os alunos estudam e assim poder corrigir a postura dos mesmos;
  • Ver as dedilhações usadas pelo aluno, podendo identificar erros e sugerir uma melhoria;
  • Aprender a usar a tecnologia no que diz respeito à gravação, edição e conversão de vídeo através de algumas dicas relativamente a gravações caseiras, que forneci aos alunos;
  • Evitar que os rotores ficassem calcinados; 
  • Criar um acervo de vídeos para que os alunos possam ver-se e ouvir-se ao longo do tempo, de forma a poderem  constatar a sua evolução e verificar, nas próprias gravações, os aspectos que necessitam de ser melhorados. Algo que numa performance ao vivo se torna mais difícil de fazer;
  • Melhoria da minha capacidade de síntese;

Aspectos que necessitam de melhoria

  • Nos casos dos aluno mais novos senti que este processo deixa muito a desejar, uma vez que ainda não têm autonomia para corrigir aspectos rítmicos e de altura de sons com um simples feedback. Esses alunos requerem um feedback imediato e, se necessário, a mesma coisa explicada de diversas formas até compreenderem. Algo que neste processo se revela difícil já que é necessário esperar até à próxima gravação para poder explicar novamente tudo o que for necessário;
  • A grande maioria dos alunos tem telemóveis, tablets ou computadores com câmera e microfone, onde é possível percepcionar o ritmo e altura de sons, mas a qualidade de gravação nem sempre é ideal para que o timbre, articulações e as dinâmicas sejam claramente perceptíveis. Contudo, a evolução tecnológica faz com que gravadores de vídeo com ênfase na qualidade sonora como o Zoom Q2HD consigam ser encontrados por cerca de 95€, valores muito mais baixos do que até há bem pouco tempo.

 

Mesmo assim considero toda esta experiência como sendo globalmente positiva e, sem dúvida alguma, algo a repetir.